A Cruzada das Mulheres Portuguesas

Em Portugal o grupo congregou um conjunto de mulheres de todas as idades e estratos sociais. Eram mães, esposas, noivas e irmãs e estavam motivadas por uma causa: organizar uma campanha para dar apoio moral aos soldados e auxilio às vítimas diretas e indiretas do conflito. Foi um período de afirmação do papel das mulheres em torno da programação e da atuação nos domínios da Saúde, Assistência e Educação, promovendo atividades, serviços e políticas, demonstrando a resistência, o patriotismo e a perseverança. Organizaram-se em torno de um conjunto de Comissões, atuando nas áreas de hospitalização, enfermagem, assistência aos militares e apoio maternal (educação dos órfãos de guerra, de forma a evitar que caíssem na mendicidade), mobilizando-se em inúmeras iniciativas práticas e de propaganda patriótica para a recolha de donativos, bens e roupas e a entrega de agasalhos, tabaco e outros géneros aos soldados (“Um tambor em marcha”, in Ilustração Portuguesa, 2.ª série, n.º 577, 12 de Março de 1917, p. 213 > Hemerotecadigital)

As diferentes Comissões levaram a Cruzada das Mulheres Portuguesas a promover diferentes estratégias de abordagem pedagógica (cursos de preparação e formação para enfermeiras) e, numa nova escala de política social e assistencial, estão na génese da criação de novas unidades de apoio dos convalescentes, doentes e mutilados, como a Escola de Mutilados de Guerra (instalado no antigo convento de Arroios) e o Hospital Português de Hendaia (com funções de auxiliar o Hospital Policlínico de Lisboa), cujo regulamento é aprovado e publicado pelo Governo em Novembro de 1917.

O Hospital Português de Hendaia foi instalado no centro turístico e de lazer de Hendaia-Plage, em França, uma estância de vilegiatura e de promoção da saúde que era já internacionalmente reconhecida, pela oferta de hotéis de referência, casino, centro de talassoterapia e Sanatório Marítimo para crianças, também com função de colónia infantil e centro para férias balneares, vocacionados para as “curas” helioterápica, hidroterápicas, marítimas, complementadas pelas massagens manual e mecânica, aplicações elétricas e mecanoterapia, sempre sob vigilância e prescrição médicas.

6b- Expedicionários Portugueses

Importa relembrar que o plano de Hendaia-Plage foi desenhado pelo arquiteto paisagista francês Henri Martinet (1867-1936) o qual fundara, desde 1906, uma sociedade imobiliária naquele local e, em colaboração com o arquiteto Durandeau, propusera um novo loteamento de luxo que integrava a nova concessão. O plano era baseado nas teorias da cidade-jardim e inspirado no modelo da vizinha Biarritz. Com rápido desenvolvimento, Martinet projeta o Grande Hotel de Eskualduna, que seria construído entre 1912 e 1922, período durante o qual foi remodelado e ampliado com balneários anexos. Este edifício foi seguramente uma das referências para a primeira versão do Hotel Palácio do Estoril, inserido no plano Estoril. Estação marítima, climatérica, termal e desportiva, que o arquiteto realiza para o empresário Fausto Figueiredo e que marca um novo tempo, no qual a iniciativa privada apresenta as condições para a construção de um plano integrado de turismo, seguindo os paradigmas internacionais (cf. Helena Pinto, O Estoril e as Origens do Turismo em Portugal, 1911-1931, Cascais, CMC, 2011 > Bibliotecadigital).

A afetuosidade de Martinet para com Portugal vinha, pelo menos, desde o ano de 1911, quando participou no IV Congresso Internacional de Turismo, realizado em Lisboa, entre 12 e 19 de Maio, que incluiu um conjunto extenso de visitas ao território nacional, seguidos de perto pelos jornalistas da Ilustração Portuguesa. Henry Martinet era então Presidente do Sindicato de Iniciativa de Hendaya e Delegado do Touring Club de França, e, acompanhado pela mulher, tomou contacto com os desafios territoriais e turísticos que se lançavam para o território nacional.

Anos depois, e apesar das dificuldades na concretização do projeto do Estoril, que levaram à sua saída e à contratação de um novo técnico, Martinet continuou a apoiar as causas portuguesas, como demonstrou com a disponibilização do seu Casino Hendaya-Plage e toda a logística à disposição do governo português, para aí ser instalado um Hospital Português, destinado à convalescença dos militares portugueses, o qual seria administrado pela Cruzada das Mulheres Portuguesas. O Hospital seria visitado em 1918 pelo presidente da república e por membros do governo português, com a presença do arquiteto (cf. Helena Pinto, “O sitio balnear. Um novo território de cura e de lazer”, in Cascais. Território, História e Memória, pp.36-52. Cascais, CMC, 2014 > Bibliotecadigital).

Neste tempo de conflito, não foi incomum o aproveitamento de um casino para a instalação de um hospital, já que muitas destas unidades de socorro, hospitais de sangue e hospitais de convalescença, foram instalados em conventos e capelas (Colégio de S. José Saint Omer), teatros, castelos, chalets das zonas de costa (beneficiando do ambiente marítimo para a convalescença e recuperação dos soldados), e em outros edifícios que possibilitavam o aproveitamento das estruturas mais resistentes. Todavia, um grande número de hospitais foi desenhado e construído de raiz, alguns beneficiando da tipologia de hospital-tenda (tendas de lona) e barracas de lona e madeira, facilmente desmontáveis.

Ainda sem o fim do conflito à vista, um jornalista da Ilustração Portuguesa afirmava “(…) no dia em que a guerra terminar, a mulher a inquieta e atormentada “Nora” d’Ibsen, encontrar-se-á na posse de um considerável número de serviços e funções masculinas, nos escritórios, na agricultura, nas repartições do Estado, nas oficinas, nas trincheiras. Como desapossá-las no momento sagrado do reconhecimento e da paz, d’essa admirável força que o seu génio, que o seu espírito e o seu amor pela pátria, criaram? A paisagem social, como a paisagem natural, da Europa encontrar-se-á mudada. E pode dizer-se afoitadamente que estes anos de guerra fizeram avançar a mulher na vitória de muitas das suas reivindicações mais do que o teria feito um século de paz. A mulher será uma das triunfadoras do triunfo d’amanhã” (“A Mulher e a Guerra”, in Ilustração Portuguesa, 2.ª série, n.º 585, 7 de Maio de 1917, pp 363-364 > Hemerotecadigital).

No clamor desses novos tempos de mudança, uma das principais ativistas, Ana de Castro Osório, afirmava que a Guerra “teve a grande vantagem de mostrar aos homens quanto podiam e quanto valiam moral e intelectualmente, as mulheres do nosso país”.

A recuperar a história e a memória da Cruzada das Mulheres Portuguesas, a Biblioteca Nacional de Portugal (BNP) assinala o centenário com uma mostra realizada sob a curadoria de Isabel Lousada (Centenariodacruzada).

[Legenda das fotografias = (1) Cruzadas das Mulheres Portuguezas – Ilustração Portuguesa, 2.ª série, n.º 538, 12 de Junho de 1916, p.683 – Hemerotecadigital / (2) “Expedicionários Portugueses: Escrevendo a um camarada uma carta para a família” – Ilustração Portuguesa, 2.ª série, n.º 575, 26 de Fevereiro de 1917] 

1 comments

  1. Anonimo · febbraio 2, 2016

    Recordo da minha avó entre duas chávenas de chá nas arcadas do Estoril falar dessa cruzada com muito orgulho
    Adorei o texto obrigada Helena

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